(NOTA PRÉVIA. Este artigo foi originalmente publicado em 2003 sob o
título "Um Exemplo do Papel da Mídia: Operação Rio" (In: DA SILVA, Jorge. Criminologia crítica: Segurança e polícia.
Rio de Janeiro: Forense, 2ª ed. 2008, Cap. XXI). Teve como referência o emprego
das Forças Armadas em 1994 contra os traficantes de drogas, na chamada Operação
Rio (I e II). Os setores que a pediram apresentavam como justificativa o
emprego das tropas na Rio 92 (Eco 92), quando elas tiveram a incumbência de
proteger os chefes de Estado e as delegações, de ocupar as vias de acesso por
onde eles passariam, basicamente a Linha Vermelha e a Orla Marítima da Zona
Sul, e fazer a segurança do Riocentro. Porém, pela mídia, passou-se para a
população a idéia de "paz armada em todo o Rio de Janeiro, como se o Exército
tivesse policiado a cidade inteira, prescindindo
da Polícia Estadual. Estamos em 2012. Acontecerá a RIO mais 20 (Eco 2012), cujo
sucesso contará mais uma vez com a segurança propiciada pelas Forças Armadas, Polícia Federal e Polícia Estadual. Ocorre que, no caso da Operação Rio, de 1994, a mídia aparentemente se desinteressou da avaliação dos seus resultados. O presente artigo é um convite a essa avaliação).
Propósitos da Operação Rio
Em novembro de 1994
desencadeou-se no Rio de Janeiro a chamada Operação Rio (o emprego da Forças
Armadas contra a criminalidade). Os acontecimentos que antecederam e que se
seguiram à operação são tão importantes quanto as próprias ações desenvolvidas
ao longo da mesma, e estão a esperar uma análise aprofundada, que vá além do
que se publicou, se é que se pretende tirar ensinamentos de tudo o que ocorreu.
Não é o caso do presente texto, apreciação superficial, a partir apenas do
noticiário jornalístico. O objetivo é aproveitar o inusitado episódio para
indagar sobre o papel da mídia, e sobre sua influência na opinião pública em se
tratando da violência.
O noticiário
constitui-se em grande manancial de dados para a pesquisa das questões sociais.
Maria Victória Benevides, em livro lançado em 1983, valeu-se desse fato para
comentar os discursos e opiniões de autoridades governamentais, policiais,
juristas, operadores do direito, representantes do movimento social, cientistas
sociais etc. sobre as "causas da criminalidade e do aumento da violência ,
mostrando a variedade e, às vezes, a disparidade desses discursos e opiniões.
Não é o que se faz aqui. Embora o material analisado tenha a mesma natureza, o
objetivo é pôr em relevo o papel da imprensa não apenas como veículo, mas
principalmente como agência discursiva de seus operadores e controladores,
quando nada na seleção do que publicar; na disposição do material; no realce
dado a este ou aquele fato etc.
Não se especula se
motivos não revelados publicamente levaram à realização da chamada Operação Rio
(I e II), e se os seus objetivos foram de fato os divulgados publicamente.
Parto da premissa que sim; que o propósito de seus idealizadores e executores
era realmente "dar um basta" à violência, ainda que possam ter convergido
interesses de ordem político-eleitoral, por um lado (o governador era Leonel
Brizola, e estávamos em ano eleitoral), e o interesse na oportunidade de
treinamento por parte das próprias Forças Armadas, de outro. O discurso das
autoridades e pessoas influentes deixa bem claro, como se pode conferir adiante,
que elas pareciam acreditar realmente numa solução militar, definitiva, e que o
problema da violência da cidade se localizava nas favelas. Se, todavia, os
motivos e objetivos tiverem sido outros, o que não é descartado, a análise
que se segue perde um pouco de sentido, mas continuará servindo de material
para outros aprofundamentos.
Feita a ressalva,
cumpre tecer algumas considerações preliminares sobre o quadro da insegurança para, em seguida, apoiado no
que foi publicado na primeira página de dezenas de edições do jornal O GLOBO (transcritas resumidamente
abaixo em ordem cronológica), proceder aos comentários, situando-os em "fases" distintas, divisão arbitrária efetuada somente para facilitar o raciocínio.
Esse jornal foi escolhido por ser o de maior circulação no Rio de Janeiro, lido
por praticamente todas as camadas, e por estar interligado a uma potente rede
de televisão e de rádio, sendo um excelente instrumento não só de ausculta da
opinião pública como também de ressonância nela.
(In)segurança
subjetiva
Como já explicado no
Capítulo XVIII ("Mapa de risco" do Rio de Janeiro e insegurança subjetiva), não
obstante o medo decorrente do que se pode chamar de (in)segurança objetiva (o risco concreto de alguém ser vitimizado),
cumpre reconhecer a força dos meios de comunicação na potencialização ou
minimização do medo coletivo, o que pode fazer, por exemplo, com que um
"insequestrável morador pobre da periferia venha a ter medo de seqüestro (insegurança subjetiva) como conseqüência
da divulgação luminosa do drama vivido por sequestrados e suas famílias. A
distinção, pois, entre os conceitos de insegurança
objetiva e insegurança subjetiva, cuja importância ficou evidenciada em estudos realizados por pesquisadores da
Police Foundationserá crucial para ajudar na compreensão do que tem ocorrido com a questão da
violência no Brasil ao longo de, pelo menos, uns quinze anos. Com relação a
este ponto é mister assinalar que a exacerbação da insegurança costuma estar associada à grande luminosidade jogada
nos chamados crimes convencionais
(crimes que, por sua natureza, são praticados mais por pessoas das camadas
populares, ameaçando o patrimônio e a integridade física) em contraposição aos
chamados crimes não-convencionais
(crimes que, por sua natureza, são praticados normalmente por pessoas das
camadas altas, ou pelo próprio Estado), conceitos esses já comentados em maior
profundidade nos tópicos 4 e 5 do Capítulo I.
No caso da chamada
Operação Rio, os meios de comunicação exerceram papel fundamental, não sendo
demasiado afirmar que contribuíram para reforçar o clamor pela atuação direta
das Forças Armadas e legitimar o apelo da sociedade para que elas "acabassem" com a violência e com a arrogância dos bandidos.
Desencadeada a Operação, nada ocorreu como fora imaginado. E então os meios de comunicação
serviram de veículo para estranhas racionalizações dos porta-vozes militares.
Chegou-se a dizer que o insucesso inicial estava previsto no planejamento; que
a permanência do tráfico nas favelas seria uma estratégia para aprofundar as
investigações. Quanto à inobservância das garantias constitucionais (não foi
decretada qualquer medida excepcional restringindo direitos por parte do
presidente da República...), tal fato era minimizado como sendo abuso episódico
deste ou daquele militar, e que, em proveito de um bem maior, era preciso certa
compreensão em caso de excessos isolados. Como se os dispositivos limitadores
da discricionariedade policial
impostos pelo Código de Processo Penal e pela Lei 4.898/65 ("abuso de
autoridade") tivessem sido momentaneamente derrogados. Para os que tentavam
justificar os abusos, bastariam alguns ajustes e os excessos seriam
automaticamente corrigidos. Talvez falassem isso sem saber que o Poder
Judiciário do Estado, a pedido das autoridades, se estruturara para dar
respaldo às ações, tendo criado um "Plantão Extraordinário" para esse fim.
Ocorre que juizes desse órgão emitiram
"Mandados de Busca e Apreensão com Autorização para Arrombamento" de forma a
fazer corar qualquer estudante de direito: indicaram, como exige a Lei, o
número da casa onde se realizaria a busca, mas acrescentaram, estranhamente: "e nas demais casas circunvizinhas, em
desdobramento ao cumprimento deste mandado" .
Depois, diante de novos insucessos, os defensores da ação militar não se
contiveram em sua ilusão: seria necessário que a operação fosse ampliada, com
emprego de maiores efetivos, incluindo a Marinha e a Aeronáutica. E veio, em
continuidade, a chamada Operação Rio II, com igual destino da primeira.
No ano em que foi
desencadeada a operação, 1994, as taxas de homicídio vinham subindo no estado,
tendo ultrapassado naquele ano a cifra de 8 mil. O que fica no ar é se o clamor
pelo emprego das Forças Armadas deveu-se à grande extensão da matança de pessoas das classes populares ou ao volume, isto é, ao impacto de alguns
crimes afetando pessoas consideradas importantes, ou, mais que isto, pelo medo
das mesmas.
Cronologia
O apelo da sociedade
para que as Forças Armadas saíssem às ruas contra a criminalidade era coisa
antiga. Na pesquisa "O Rio contra o Crime", realizada 10 anos antes sob os
auspícios das Organizações Globo, constatou-se que as Forças Armadas eram a
instituição em que a população mais confiava. Desta última vez, o clamor
acentuou-se no início de 1994, com manifestações de amplos setores da
sociedade, inclusive e surpreendentemente de pessoas ditas de esquerda e
que tinham sido vítimas da repressão do regime militar. Todos a favor do
emprego das Forças Armadas; e em defesa das mesmas ou silenciando-se quando das
acusações de abusos.
A simples leitura dos
títulos e legendas das principais manchetes, chamadas, fotos e charges de
primeira página do jornal O Globo no
período que vai de 20 de outubro de
1994 a 30 de junho de 1995, conforme listado
abaixo, dá idéia do descompasso que pode existir entre o fato e a versão do
fato. Na cronologia, foi incluído, isoladamente, o dia 2 de setembro de 1994,
de onde parte o estudo, pelo fato de a primeira página da edição desse dia
conter duas manchetes sugestivas, já que se referem a personagens que viriam a
desempenhar importantes papéis nos acontecimentos que se seguiriam. Foram
selecionadas somente as primeiras páginas que se referissem, conjunta ou
separadamente, à ação das Forças Armadas e da polícia, à violência e à ação dos
criminosos convencionais.
Para efeito de ajudar
a contextualizar os fatos, podem-se visualizar, grosso modo, cinco fases, cobrindo o antes, o durante e o depois, a
saber:
- primeira fase: legitimação;
- segunda: legitimação-atiçamento;
- terceira: racionalização-atiçamento;
- quarta: racionalização-desilusão; e
- quinta: desilusão.
Em se tratando do atiçamento, parecia que as pessoas,
principalmente da elite e da classe média, imaginavam ver repetido o espetáculo
da Guerra do Golfo, assistindo confortavelmente em casa pela TV, com umas
cervejas para animar, ao embate ao vivo entre norte-americanos e árabes...
Embora reconheça a
precariedade de uma análise baseada tão somente na primeira página de um único
jornal, é possível que a lembrança dos episódios a que essas matérias se
referem dê alguma consistência aos dados. É preciso anotar que, além das
primeiras páginas, os jornais em geral, e não só O Globo, dedicavam duas, três, e às vezes mais páginas ao assunto,
com fotos e comentários de autoridades, políticos e personalidades, sem contar
as páginas de opinião, as colunas pessoais, os editoriais e a seção de cartas,
tudo articulado com a TV e o rádio. Além do mais, não faz tanto tempo assim que
vimos tudo acontecer.
Na medida do
possível, os resumos que se vêem adiante foram feitos sem maiores comentários,
a fim de evitar descaracterizá-los e contaminá-los demasiadamente com a opinião
do analista, o que certamente não foi conseguido de todo, pois em alguns pontos
tornou-se imprescindível contextualizar, minimamente que fosse, os fatos.
No que tange ao
contexto em geral, pode ajudar ter em mente alguns acontecimentos marcantes do
período considerado: (a) a entrevista concedida pelo bandido "Uê", em 2 de
setembro de 1994; (b) o real medo da violência e a arrogância crescente dos
traficantes das favelas; (c) as eleições para governador de 1994 (em 3 de
outubro e, no segundo turno, em 15 de novembro); (d) a criação em 1995 da
Secretaria de Segurança, com a nomeação de um general para dirigi-la (antes
havia a Secretaria de Polícia Militar e a Secretaria de Polícia Civil).
(a) Primeira fase:
Legitimação
O esforço para a legitimação do emprego das Forças
Armadas contra a criminalidade comum vinha de longa data, mas se intensificou,
como vimos, no início de 1994, refletindo-se na intensa centralização do foco
nos meses que antecederam a assinatura de um "convênio" entre o Governo Federal
e o Governo do Estado, e se prolongou até que o Exército assumisse o controle
das ações.
SET/94
*
2 set 1994: duas manchetes com fotos: no
centro da página, a foto ilustrativa de uma delas: na sala de uma casa
qualquer, um homem sentado de lado numa poltrona, trajando bermudas e com uma
camisa cobrindo o rosto e os ombros, com uma pistola diante de si sobre uma
mesinha de centro, sob a seguinte legenda: "Uê desafia a polícia", a propósito
de longa entrevista que o "traficante mais procurado do Rio", segundo a
matéria, teria concedido ao jornal e a dois outros mais, e na qual o bandido
fala de "política, drogas e segurança". Nessa entrevista, o "dono" do Morro do
Adeus e adjacências do chamado Complexo do Alemão, no subúrbio carioca de
Ramos, teria declarado: "a polícia não sabe investigar". Na parte superior da
página, em outra foto, vêem-se o general Newton Cruz e o prefeito César Maia,
com a seguinte legenda: "Newton Cruz e o
prefeito César Maia se abraçam, na Prefeitura. César prometeu apoiar o general
caso ele vá para o segundo turno com o pedetista Anthony Garotinho".
OUT/94
*
20 out 94: duas manchetes, sem fotos: "Exército
garantirá nova votação para deputados no
dia
15";
e "FH
quer intervir para reduzir a violência no Rio". A manchete relativa ao
então presidente eleito dava conta de que ele queria "a participação do
Exército no combate ao crime".
*
22 out 94: manchete com uma grande foto
encimada pela legenda: "A polícia sitiada pelo tráfico", mostrando
policiais civis guardando a porta da 22ª DP, na Penha, "uma das seis delegacias
ameaçadas de invasão por traficantes", em represália pelas mortes naquela
semana de treze bandidos na favela Nova Brasília.
*
24 out 94: manchete com foto de um trecho de
uma favela do chamado Complexo do Alemão, onde se vêem um homem morto no chão,
e policiais armados numa operação de apreensão de drogas, sob o título: "Militares
e PF decidem hoje ação imediata contra crime no Rio".
*
25 out 94: foto em que aparecem reunidos em
torno de uma mesa, no Comando Militar do Leste, o então ministro da Justiça
Alexandre Dupeyrat, autoridades do Exército e da Polícia Federal, sob a
manchete: "Itamar tenta apoio de Nilo contra o crime." E uma chamada: "Junqueira
é contra intervenção do Exército", na qual o procurador geral da República diz ser inconstitucional a intervenção.
*
26 out 94: A manchete: "Itamar chama Nilo para discutir
violência"; e ainda a chamada para duas matérias: "New York Times diz que o crime
governa o Rio"; e a chamada para o editorial "A contribuição militar",
cujo primeiro parágrafo diz bem do clima da época: "É consensual, ou quase: o povo do Rio de Janeiro não acredita em
resposta eficiente ao crescente poder das quadrilhas de traficantes na cidade
sem a participação das Forças Armadas". E foto mostrando o policiamento com
bicicletas executado pela Guarda Municipal na orla da Lagoa. Nessa edição do jornal,
o então candidato a governador Marcello Alencar propôs na OAB/RJ a decretação
do Estado de Defesa.
*
27 out 94: foto do banqueiro do jogo de bicho
Castor de Andrade, que acabara de ser preso
em São Paulo, abaixo do
seguinte título: "Militares escolhem 600 homens das tropas de elite para subir morros",
tendo como subtítulos: "Armas de traficantes impressionam Exército";
e "FH
diz que Rio está se desmilingüindo."
*
28 out 94: foto de Castor de Andrade a bordo
de um avião entre dois delegados de São Paulo que o trariam ao Rio. Acima da
foto, a manchete: "Nilo aceitará ação do Exército no Rio". Abaixo da foto: "Polícia
do Rio não aparece nem para trazer Castor de volta". A primeira página
dessa edição do jornal é muito rica, pois, além dessa foto e desses títulos,
traz mais cinco subtítulos de matérias ligadas ao tema: "Executivo é fuzilado por
assaltantes"; "Tráfico retira armas e drogas das favelas";
"Bala perdida mata menina em Realengo"; "Tiroteio causa correria e medo
no Centro"; "Newton Cruz admite ser secretário de Marcello". E mais uma
sexta: uma charge do governador Nilo Batista, da série "Animais políticos", de
Chico, com a legenda: "O desgovernador Nilo Bastista".
*
29 out 95: manchete, sem foto: "Militares
já acompanham movimentação de traficantes"; e logo abaixo, chamadas
para duas outras matérias: "Droga some e preço sobe por medo de
invasão"; e "Nilo faz acordo para realização de ação federal". E ainda,
charge de Aroeira, na qual um tanque do Exército, parado num sinal de trânsito,
é abordado por dezenas de camelôs, pedintes, flanelinhas, sob o olhar atônito
do militar condutor do tanque.
*
30 out 94: manchete: "Exército enfrentará 3 mil
traficantes", encimando uma charge de Chico, em que aparecem
conversando, sentados em duas poltronas, o governador Nilo Batista, com ar
sorumbático, e o presidente Itamar Franco, estilizado como Rambo, trajando
calças e botas militares, com o musculoso tronco nu e fita na testa. Abaixo da
charge, uma foto de tamanho grande de um menino com uma máscara ninja e uma
escopeta num subúrbio pobre de Medellin. O menino faria parte dos grupos de
extermínio que ali existiriam "diante da incapacidade do Estado de proteger a
população". E ainda a chamada para o Editorial "Guerra ao Medo".
*
31 out 94: dia da assinatura do convênio entre
o Estado e a União. A manchete do dia, sem foto: "Exército pode usar navios para
prender traficantes"; e logo abaixo, chamada para outra matéria: "Bando
ocupa o Souza Aguiar", grande hospital da cidade. Também, uma charge de
Aroeira, sob a legenda "O homem-bala-perdida", mostra um
tanque do Exército pilotado por um enorme topete (alusão ao presidente Itamar
Franco), e na saída do cano do canhão, a bucha: o governador Nilo Batista. E
ainda a veiculação da idéia de que o Exército utilizaria navios da Marinha e
quartéis da PM porque as delegacias e penitenciárias estariam superlotadas.
NOV/94
*
1º nov 1994: encimando a foto do presidente
Itamar Franco conversando com o governador Nilo Batista no Palácio do Planalto,
a manchete: "Exército assume o comando do combate à violência no Rio",
dando conta de que o governador assinara com o presidente um convênio passando
"ao Exército o comando do combate ao crime organizado no Rio?. Além dessa
matéria, as seguintes: "PDT tenta impedir ação conjunta contra o
crime"; e "Presos que Nilo tirou de Bangu I fogem da prisão". E também
uma charge de Chico em que um estilizado presidente Itamar-Rambo monta a cavalo
o governador Nilo Batista. O convênio assinado subordinou ao Comando Militar do
Leste as ações contra a criminalidade das Secretarias de Polícia Militar,
Polícia Civil, de Justiça e da Defesa Civil (Corpo de Bombeiros), e duraria até
o dia 30 de dezembro de 1994, "podendo ser prorrogado por prazo a ser
convencionado pelas partes". Ali não estava prevista a participação direta de
tropas das Forças Armadas.
*
2 nov 94: no segundo dia após a assinatura do
convênio, a manchete é a seguinte: "Exército anuncia operação de faxina na
polícia do Rio". E mais duas chamadas: "General quer fim do poder do
tráfico"; e "Garotinho apóia a reação do PDT". Também um longo editorial: "A
missão do Comando Militar do Leste", realçando a seriedade e a
competência organizacional do Exército, mas mostrando que a missão era
espinhosa e complexa. Nessa edição, o general Câmara Senna, nomeado para
comandar as ações, declara: "É preciso acabar já com o poder paralelo do
tráfico no estado".
*
3 nov 94: a manchete, sem foto, é a seguinte: "Exército
fará cumprir 300 mandados de prisão no Rio", com o esclarecimento do
jornal: "A prisão de 300 bandidos que
chefiam quadrilhas de traficantes será o principal objetivo da ação de combate
ao crime, segundo informou ontem Alexandre Dupeyrat, ministro da Justiça".
Aí também se informa que o general Câmara Senna, designado para comandar as ações,
se mudara com toda a família na véspera para a fortaleza de São João. Logo
abaixo, uma chamada para outra matéria: "Garotinho põe no ar ofensas de tucanos em
88 a Marcello".
*
5 nov 1995: "Exército
vai interrogar os chefões do Comando Vermelho". Esta manchete vem logo
abaixo de uma grande foto em que aparecem dois militares guarnecendo, inclusive
com barricadas, o acesso ao Hospital Marcílio Dias, próximo a morros do Lins,
que estariam "dominados pelo tráfico". E ainda uma chamada: "FH
vai prorrogar ação militar no Rio". Também uma charge de Aroeira em que
um general, por trás de grossas paredes de uma muralha de uma fortaleza, e
através de uma espécie de casamata, responde a perguntas que lhe são dirigidas
por repórteres, situados num plano inferior, aparecendo-lhes somente os
microfones e gravadores: "E o problema
da segurança, general". Bem, o meu eu já resolvi..."
*
8 nov 94: enorme
foto, na Favela Beira-Mar, com a legenda: "O
governador Nilo Batista junto às 14 armas - a maioria enferrujada - e algumas
balas deixadas pelos traficantes: "É importante pelo valor simbólico". E a
manchete: "Nilo recolhe 11 armas enferrujadas". E mais três chamadas: "Ação
contra crime já tem dia e hora marcados"; "Cardeal acorda com cadáver na
porta de sua casa"; e "Soldados ligados ao tráfico teriam matado
tenente".
(b) Segunda
fase: Legitimação-Atiçamento
É a fase em que se
insistiu na presença física das tropas das próprias Forças Armadas, pois a
assinatura do convênio passando o comando das ações ao Exército não implicava
necessariamente o emprego de tropas militares, o que não correspondia
exatamente à demanda veiculada pela mídia.
*
11 nov 94: a manchete "Militares entram em prontidão
domingo" anunciava que "As tropas
profissionais do Exército, da Marinha e da Aeronáutica que participarão da
operação contra o crime organizado no Rio entram em prontidão depois de
amanhã".
*
12 nov 94: foto grande, de uma área descampada
e desabitada, em que se vêem caminhões de transporte de tropa estacionados numa
estrada de chão e dezenas de militares do Exército desembarcados. Legenda: "Soldados do Exército encerram no distrito
de Bananeiras,
em Silva
Jardim, o treinamento para a operação de combate ao crime
organizado no Rio". E a manchete é: "Exército intima policiais civis". E
ainda mais três chamadas: "Polícia está proibida de fazer operações";
"Comando põe 16.500 militares de prontidão"; e "Bala que matou estudante saiu
de arma de PM".
*
14 nov 94: manchete, com foto:
"Militares combatem fraude". E a seguinte legenda: "Fuzileiro naval dá segurança à retirada de cabines eleitorais da sede
do TRE do Rio para as seções". E uma chamada, sem título, para matéria
sobre uma reunião no Comando Militar do Leste que decidiria, naquela manhã, o
"início da operação contra o crime organizado".
*
15 nov 94: foto de um jipe do Exército com uma
patrulha de militares, e a legenda:
"Soldados armados com fuzis percorrem de jipe a Rua Conde de Bonfim, na Tijuca.
Tropas do Exército voltaram a patrulhar o Rio ontem, pelo terceiro dia
consecutivo. Helicópteros militares sobrevoaram favelas". E mais quatro
chamadas: "Policiais da lista do bicho serão julgados"; "Por
segurança, soldado vai se fingir de civil"; "Polícia Federal manda 120
agentes ao Rio"; e "Bando assalta prédio na Lagoa e
leva três reféns".
*
18 nov 94: manchete: "Exército monta cerco ao Rio",
ilustrada por uma foto com a seguinte legenda: "Passageiros de um ônibus parado numa barreira militar são revistados
por soldados do Exército na Rodovia Washington Luiz, na saída para Terezópolis".
E uma chamada: "Roubos de carro caem 15% no estado".
*
19 nov 94: manchete: "Exército bloqueia o tráfico em
cinco favelas", ilustrada por uma foto, em tamanho grande, de soldados
do Exército, tendo ao fundo um trecho do Morro Dona Marta. Legenda: "Soldados com fuzis e metralhadoras ocupam
uma viela do Morro Dona Marta, o único que as tropas subiram".
*
20 nov 94: Manchete: "Traficante resiste e fere
soldado", com foto de fuzileiros em uniforme de campanha e encapuzados,
revistando dois homens ajoelhados de frente para um muro, estando um deles
apenas de bermudas. Legenda da foto: "Fuzileiros
navais, usando máscaras, prendem dois homens na entrada do Morro do Dendê:
operação tranqüila e elogios da população". Chamadas para essa matéria: "Mangueira
e Dendê ocupados"; e "Fuzileiros entram em ação". E ainda outra
chamada: "Centro de São Paulo tem 2.000 assaltos por mês".
·
21 nov 94: manchete: "Tráfico
da Mangueira comemora saída do Exército com foguetório". Foto de um
homem com uma criança na garupa da bicicleta passando em frente a um blindado,
com a seguinte legenda: "A fragilidade da
bicicleta contrasta com a força do anfíbio dos fuzileiros no Morro do Dendê". E
ainda a chamada: "Exército prende 19 mas encontra pouca droga".
·
22 nov 94: duas fotos
ilustrando matérias: na primeira, em tamanho grande, vê-se um homem de costas,
com as mãos na parede e uma pistola apontada para a sua nuca. Legenda: "Fuzileiro usando máscara aponta a pistola
para a nuca de um morador do Morro do Dendê, que é revistado. A favela continua
ocupada pela tropa de elite da Marinha". Manchete: "OAB critica ação do Exército", referindo-se à OAB nacional, pois a
OAB/RJ defendia a ação. A outra foto mostra uma cozinha em desalinho e a
empresária alemã Brigitte Anna Holck mostrando o lugar da cozinha da casa em
Jacarepaguá onde fora mantida em cativeiro por quatro dias. Titulo: "Polícia
liberta seqüestrada". E ainda mais três chamadas: "Tropas do Exército cercam mais
seis morros"; "Na Mangueira, tráfico reassume com
violência"; e "Vice-presidente de seguradora é
assassinado".
·
23 nov 94: foto em
que se vêem crianças encostadas com as mãos na parede, algumas portando suas
mochilas escolares, sendo revistados por soldados do Exército armados de fuzis.
Legenda: "Soldados revistam escolares num
dos acessos ao Dona Marta, para descobrir se alguns deles estão sendo enganados
e usados para transportar drogas". Manchete referindo palavras do general
Câmara Senna: "General diz que comando do tráfico está em Miami". E ainda uma
chamada: "Torturado ex-PM confundido com militar". E ainda o editorial "Direitos
do povo" em apoio às ações das Forças Armadas.
(c) Terceira fase:
Racionalização-atiçamento
É
a fase em que se nota a preocupação de justificar e/ou minimizar os desacertos
e abusos, porém insiste-se em atiçar as Forças Armadas a irem para o confronto
direto nas favelas, após a prorrogação do "convênio", assinada pelo presidente
Fernando Henrique Cardoso e o novo governador do estado, Marcello Alencar, em
20 de janeiro de 1995.
·
24 nov 94: manchete: "CNBB
defende ação do Exército", encimando uma foto em que uma mulher, com um
bebê no colo, tem a bolsa de fraldas revistada, com a legenda: "No Morro da Mangueira, um soldado do
Exército revista a bolsa com fraldas, roupas e mamadeira do bebê, carregada
pela mãe". E ainda as duas chamadas: "Generais prometem investigar abusos";
e
"Objetivo dos militares é evitar o ´Cartel do Rio´ ".
·
25 nov 94: "Exército
cerca Complexo do Alemão". Tal manchete encima uma grande foto de um
blindado Urutu, guarnecido por soldados do Exército, com um deles apontando na
direção do morro uma metralhadora instalada sobre o blindado. Também duas
chamadas: "Aeroclubes e pistas do interior sob vigilância"; e
"Comando decide não revistar mais crianças". E ainda o editorial "A
maior humilhação", no qual o editorialista inicia afirmando: "A ação comandada pelo Exército não está na
berlinda", e rebate argumentos dos que alegam que as revistas representavam
uma humilhação aos revistados.
·
26 nov 94: manchetes:
"Exército
ocupa o Morro do Borel"; e "General Senna lidera 2 mil soldados no
combate ao tráfico no morro mais violento do Rio", ilustradas por uma
foto em que se vêem o cume descampado de um morro, uma imensa cruz e um
helicóptero sobrevoando o local , com a legenda: "Um helicóptero desembarca militares no ponto mais alto do Morro do
Borel, junto ao cruzeiro erguido pelo Comando Vermelho e derrubado pouco depois
pelo Exército". Também, quatro chamadas: "Oficial atua como ouvidor para
anotar reclamações dos moradores"; "Comandante militar escapa de ser baleado
durante o cerco"; "Justiça autoriza escuta nos telefones de 80
pessoas sob suspeita"; e uma para a coluna do Zózimo:
"Traficantes somem com sobrinho de juiz do Rio". E ainda o editorial "Quem
sua frio", referindo-se aos bandidos. E ainda uma charge de Aroeira, de
título Cartão Postal (2), em que o Pão de Açúcar virou uma imensa bota
militar sobre as edificações, diante de um diminuto e atônito Cristo Redentor.
·
27 nov 94: manchete: "Exército
impõe toque de recolher e leva bandeira do Brasil ao Borel", com uma
foto do cume do morro e uma imensa bandeira nacional tremulando, com a legenda:
"O símbolo da conquista: soldados do
Exército trocam a cruz do Comando Vermelho pela Bandeira do Brasil no ponto
mais alto do Borel". E duas chamadas: a primeira sob título "Armas
e drogas chegam ao Rio de pára-quedas"; e a segunda, sem título, dando
conta de que "antigos inimigos das Forças Armadas agora apóiam a operação do
Exército contra o crime".
DEZ/94
·
1º dez 94: foto do
virtual secretário de segurança, general Euclimar da Silva, com a chamada para
entrevista do mesmo: "Futuro secretário quer manter o Exército
nas ruas".
·
16 dez 94: foto em
tamanho grande de um blindado com alguns militares em cima, em frente a um
edifício, com a legenda: "Um grupo de paranaenses
de Umuarama, em visita ao Rio, aproveita para posar ao lado de um blindado
Cascavel num dos acessos ao Pavão-Pavãozinho"; e a chamada: Exército
usa 1.500 homens na maior ação na Zona Sul". E uma outra chamada: "PMs
paulistas matam doente mental a socos e pontapés".
·
26 dez 94: foto com a
seguinte legenda: "No Morro do
Pavão-Pavãozinho, crianças trocam armas de brinquedo por bolas, jogos e
carrinhos. O movimento Viva-Rio pretende, assim, começar a campanha de
desarmamento na cidade". E a chamada: "Da Silva reforçará delegacias distritais do
Estado".
JAN/95
·
1º jan 95: no
primeiro dia do ano, uma foto da atriz Letícia Spiller, tendo ao fundo o Pão de
Açúcar e o mar, ilustra a matéria "Rio nota 10 espanta a depressão",
com a legenda: "Letícia Spiller abre os
braços sobre o Rio: a atriz, carioca, mostra por que a cidade continua sendo
maravilhosa". Na matéria, dentre outros aspectos positivos do Rio, mereceu
nota 10 "a ação das Forças Armadas contra o crime". E ainda uma outra chamada,
sem foto: "Exército fará obras sociais nas favelas do Rio".
·
16 jan 95: manchete,
sem foto: "Exército vai investigar seqüestros". E uma chamada, sem
título: "A praia do Arpoador virou ontem à tarde campo de batalha entre "galeras de funkeiros".
·
18 jan 95: uma chamada: "Sentinela
é assassinado na Base Aérea do Galeão". O sentinela teve seu fuzil e
munição levados pelos criminosos. E ainda o editorial "Ocupar o vácuo", a
propósito da "ocupação militar nas favelas do Complexo do Alemão", referindo a
importância do restabelecimento da autoridade diante da quantidade de armas
apreendidas. Dali a dois dias, 20 de janeiro, o presidente Fernando Henrique
Cardoso e o governador Marcello Alencar, em cerimônia no Palácio Laranjeiras,
assinariam termo prorrogando a Operação Rio.
·
23 jan 95: manchete: "Governador
promete dar a bandido tratamento de bandido", ilustrada com uma foto em
tamanho grande em que se vêem um caixão coberto com a Bandeira do Brasil e um
grupo de policiais militares prestando honras militares ao morto, com a legenda:
"PMs dão uma salva de tiros no enterro do
sargento Brazuna, no Jardim da Saudade: segundo o secretário Euclimar da Silva,
o PM foi morto por Flávio Negão".
·
25 jan 95: foto em
que aparecem: um fuzileiro em uniforme de campanha, encapuzado e portando uma filmadora, e onze
homens sentados no chão do que parece ser um galpão. Legenda: "Fuzileiro naval filma alguns dos quarenta
suspeitos detidos ontem durante a ocupação das favelas Kelson´s e Marcílio
Dias, na Penha". E também, duas chamadas relativas à foto, uma delas com
título: "Cinco pessoas são seqüestradas em duas semanas"; e outra, sem
título, sobre a ocupação de duas favelas que estariam prestes a cair em poder
do traficante Robertinho de Lucas.
·
26 jan 95: manchete,
sem foto: "Marcello reage à onda de seqüestros", em que o governador quer
o bloqueio dos bens dos seqüestrados. Na mesma matéria, o secretário Euclimar
da Silva relacionou o aumento da incidência de "assaltos a bancos, roubos de
carga e, principalmente, seqüestros" ao cerco da Operação Rio ao tráfico.
Também uma chamada, sem título, sobre operações realizadas "em cidades da
Região dos Lagos para prender o traficante Ernaldo Pinto Medeiros, o "Uê?, pois
as autoridades acreditavam que os traficantes estivessem se refugiando naquela
região.
·
27 jan 95: chamada: "PM
ganha reforço de 705 soldados do Exército". E uma charge de Chico, sob
o título "Rio big hits", em que três cantores dão um agudo: Mick Jagger
em Satisfaction!, Pavarotti
em O
Sole Mio!, e o
governador Marcello Alencar em Help!.
·
31 jan 95: "Secretário
anuncia fim das ações militares nos morros". E uma chamada, sem título,
para matéria sobre invasão da Ceasa por homens encapuzados e com fuzis AR-15,
que teriam praticado o sétimo seqüestro do ano. Também o editorial "No
albergue do crime", questionando a prisão-albergue, a propósito do
assassinato de uma professora em Botafogo por um albergado.
FEV/95
·
1º fev 95: chamada: "PM
usará estratégia das Forças Armadas". E também uma chamada, sem título,
sobre a repressão a camelôs, no centro, em que um guarda municipal teria saído
ferido.
·
18 fev 95: duas
chamadas: "Militares da comunidade de informações vão fiscalizar Detran";
e "Publicitário
assassinado por ladrões em Botafogo".
·
21 fev 95: manchete: "Exército
voltará às ruas do Rio". E uma foto em que aparecem o ator Hugo Gross,
"o Leandro da novela ´Quatro por Quatro´ ", examinando o interior de seu carro,
que encontrara depenado, depois de assalto na saída do Túnel Rebouças, junto
com a atriz Andréa Guerra.
·
22 fev 95: manchete: "Exército
vai patrulhar áreas turísticas, túneis e bancos".
·
24 fev 95: foto de um
menino feito refém por um bandido
em Recife. E uma chamada: "Militares estão de volta às ruas
do Rio com 32 patrulhas"
MAR/95
·
3 mar 95: manchete:
"Exército caçará matadores de policiais", encimando uma foto em tamanho
grande de envolvidos num seqüestro em que a polícia resgatou o seqüestrado,
sentados no chão da Divisão Anti-Seqüestro - DAS, vendo-se na porta o
governador Marcello Alencar, que teria afirmado: "Uma nova polícia já está
surgindo".
·
4 mar 95: manchete:
"Exército voltará a ocupar morros".
·
15 mar 95: manchete: "César
cobra de Marcello nova política de segurança".
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19 mar 95: manchete: "Marcello
pode usar o estado de defesa contra a violência"
·
22 mar 95: foto em
que aparecem manifestantes, com um deles entregando um panfleto a um motorista,
tendo ao fundo o Supermercado Freeway (cujo filho do dono fora morto por
bandidos), encimando a manchete: "Barra pára contra a violência". E o
editorial: "Uma política contra o crime", reconhecendo a preocupação do
governador, porém questionando a sua política de segurança.
·
24 mar 95: manchete: "General
garante volta do Exército às ruas". E chamada: "Bomba explode em ônibus no
Centro da cidade"
·
26 mar 95: duas
chamadas: "Polícia Federal vai ajudar o Exército na Operação Rio II"; e
outra, para a coluna do Zózimo: "Marcello declara guerra à bandidagem".
·
28 mar 95: manchete: "Exército
põe 1.200 homens de prontidão".
·
30 mar 95: foto, na
Assembléia Legislativa, vendo-se o secretário de Segurança Euclimar da Silva, o
deputado Átila Nunes e o presidente Sérgio Cabral Filho, com a legenda: "Da Silva (à esquerda) se espanta com a
réplica de plástico do fuzil AR-15 exibida pelo deputado Átila Nunes, que
apresentou projeto proibindo a venda de armas de brinquedo", ilustrando a
manchete: "Forças Armadas vão patrulhar também o interior do estado". E
ainda chamada, sem título, para matéria sobre o fato de vinte e oito pessoas
terem sido mortas no Grande Rio na madrugada do dia anterior.
·
31 mar 95: chamada com
destaque: "Exército pede tempo para mobilizar tropa".
(d) Quarta fase:
Racionalização-desilusão
É
a fase em que se continua a tentar justificar os desacertos, mas a retórica
veiculada em defesa da continuidade da ação das Forças Armadas é tímida, indicando
claramente o reconhecimento de que o quadro de violência não havia mudado, e
que certamente não mudaria por aquela via.
ABRIL/95
·
1º abril 95:
manchete: "Governo prepara pacote contra o crime". E uma chamada para a
coluna do Zózimo: "Maioria no Rio defende ação mais radical da Polícia".
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3 abril 95: chamada: "Traficantes
atiram dentro de área da Aeronáutica".
·
4 abril 95: manchete:
"Exército
está nas ruas", ilustrada por uma foto em tamanho grande de militares
do Exército em torno de um jipe e atrás de um caminhão do Exército, com a
legenda: "No centro de Petrópolis, o
início da operação de combate ao crime: soldados do Exército, com uniformes de
camuflagem, patrulham as ruas". E também o editorial "Línguas soltas", em que
o editorialista critica as autoridades que falam desnecessariamente sobre o que
pretendem fazer, alertando os bandidos.
·
5 abril 95: manchete:
"Marinha
e Aeronáutica entrarão em ação", ilustrada por uma foto grande de um
jipão do Exército, com a legenda: "Soldados
da PE patrulham a Avenida Delfim Moreira, no Leblon. As tropas do Exército
percorreram ontem bairros das Zonas Norte e Sul do Rio". E outra foto, logo
abaixo da manchete, de uma cabine policial destruída, com a legenda: "Policiais atribuíram a traficantes da
região o incêndio que destruiu, na madrugada de ontem, a cabine da PM instalada
na Praça Barão de Corumbá, na Tijuca". E duas chamadas: "Brigadeiro
pede ação social nos morros", em que o ministro da Aeronáutica apontou
a falta dessa ação como um "erro da Operação Rio I"; e a outra: "Instituto
para menores tem fuga em massa".
·
6 abril 95: manchete:
"Exército
fará ação social nos morros", ilustrada por uma foto com a seguinte
legenda: "Com fuzil e uniforme de
camuflagem, um soldado do Exército mobilizado para a operação Rio II patrulha a
Praia de Botafogo". E uma chamada: "Câmara aprova redução da pena de bandidos
que colaboram com justiça".
·
10 abril 95: chamada:
"Seis pessoas são mortas no Rio em noite de violência". E também charge
de Aroeira, de título "Operação Rio II", em que se vê um
tanque depenado, assentado sobre tijolos, e dois militares olhando perplexos,
um deles com um sanduíche na mão, e ambos segurando um refrigerante (como se
tivessem acabado de comprá-los nas imediações); e um deles pergunta ao outro: "Tá
no seguro, tenente?" ".
·
17 abril 95: foto em
tamanho grande de um jipe com soldados do Exército, tendo ao fundo o Maracanã,
com a legenda: "Soldados do Exército em
frente ao Maracanã reforçam a segurança do jogo Botafogo X Flamengo,
completando a operação iniciada pela manhã, na orla". Tal foto ilustra a chamada: "Exército vigia praias e Maracanã
no Domingo". E também uma charge de Aroeira, de título "Operação
Rio II", em que se vê um enorme tanque, dotado de um potente canhão,
cuja boca do cano está tapada por uma imensa rolha amarrada ao cano por uma
corda. Embaixo, um repórter pergunta a um senhor que olha para a rolha meio
desconfiado: "Pesquisa: o senhor se sente
mais seguro"?
(e) Quinta fase:
Desilusão
É
a fase em que o tema das Forças Armadas vai saindo paulatinamente de foco, sem
maiores explicações à população, e não se toca mais no assunto.
·
25 abril 95:
manchete: "General: Violência chegou ao máximo". E duas chamadas: "Para
Marcello, Exército na praia foi ´escorregão´ "; e "Menina é seqüestrada em frente
ao colégio". E ainda o editorial "Soldados na Praia", a propósito de
vaias que um grupo de soldados do Exército teria levado de alguns banhistas na
Praia de Ipanema.
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26 abril 95:
manchete: "Rio sofre nova onda de seqüestros", ilustrada por foto de um
carro patrulha da PM rodeado por policiais militares, com a legenda: "Na Favela Nova Holanda, em Bonsucesso, PMs
observam a patrulha atacada pelos traficantes, que teve o pára-brisas
estilhaçado a tiros". E ainda uma chamada, sem título, para matéria na qual
se afirma que, segundo o chefe do Estado Maior do Exército, só no ano seguinte
o Rio começaria a sentir os resultados do combate à violência.
·
27 abril 95: duas
chamadas: "César diz que o Rio enfrenta Guerra Civil"; e a outra, sem
título, sobre a 13ª pessoa sequestrada desde o início do ano.
·
29 abril 95: manchete
com título duplo: "Traficantes levam pânico a Niterói" / "Operação Rio II tem seu
primeiro grande confronto com o crime", ilustrada com foto em tamanho
grande de PMs com uniformes policiais comuns, desembarcando de um helicóptero,
com a legenda: "Um helicóptero deixa
atiradores na Praia de São Francisco, perto do Bairro de Santa Rosa, onde fica
o Morro do Cavalão, local do confronto". E ainda chamada para a coluna de
Arthur Dapieve, de título: "Vaia
no Exército expõe preconceito social dos banhistas".
MAIO/95
·
3 maio 95: manchete: "Guerra
entre traficantes de Santa Teresa suspende aulas". E ainda duas
chamadas: "Fim do sequestro de Queiroz Galvão"; e chamada para a coluna
de Ricardo Boechat, de título "Cardeal pede a militares reunião sobre
segurança".
·
5 maio 95: manchete: "FH
sanciona lei que endurece combate ao crime organizado", ilustrada por foto
do governador Marcello Alencar no alto do Morro de Santa Tereza, acompanhado de
repórteres e outras pessoas, com a legenda: "Em
visita a Santa Teresa, Marcello Alencar observa o Morro dos Prazeres, onde
traficantes estão em guerra desde o fim de semana". E uma chamada: "Grande
Rio tem 27 mortos numa só noite". E ainda uma charge de Chico em que soldados
do Exército, com camuflagem inclusive nos capacetes, seguem a pé o bondinho de
Santa Teresa por cima dos Arcos da Lapa.
·
6 maio 95: manchete:
"Governo do Estado cria força de elite para combater o crime". E a
chamada: "Bala perdida mata estudante na sala de aula". E ainda uma
charge de Aroeira, em que o governador Marcello Alencar desce uma ladeira
correndo, carregando na cabeça algumas tralhas, como se fosse sua mudança, em
meio a um tiroteio. A charge se referia a cenas da véspera, de moradores abandonando
suas casas com medo dos tiroteios entre as quadrilhas.
·
9 maio 95: manchete: "Polícia
enfrenta tráfico e mata
14",
ilustrada por foto em tamanho grande de uma kombi aberta com corpos amontoados
na carroçaria, vendo-se ainda moradores na entrada da favela, com a legenda: "Numa kombi da Comlurb, policiais
transportam os corpos de 11 traficantes mortos na primeira fase da operação na
Favela Nova Brasília, em Ramos". E ainda duas chamadas: "Desembargadores
que julgam bicho são ameaçados"; e chamada para a coluna do Zózimo: "Seguradoras
vão doar 50 carros para a Polícia".
·
13 maio 95: foto de
uma adolescente, libertada de seqüestro após pagamento de resgate, e sua mãe,
abraçadas alegremente, ilustra a manchete: "O pesadelo de Luciana chega ao fim".
E uma chamada: "PM prende 8 durante guerra de traficantes". E ainda charge de
Aroeira, em que se vêem dois PMs fardados revistando um sujeito trajado
popularmente. Todos três com a cara do governador Marcello Alencar.
·
15 maio 95: chamada: "Número
de PMs mortos no estado já chega a 45 este ano".
·
18 maio 95: manchete,
dando conta da substituição do secretário de segurança: "Cerqueira: ´Prioridade é ocupar
favelas´ ". E a chamada: "Polícia fecha 8 ferros-velhos na Dutra".
·
22 maio 95: manchete:
"Petista
comandará a Polícia Civil?, e foto do novo secretário de segurança,
general Nilton Cerqueira, cumprimentando o senhor Estêvão Hermann, libertado
por PMs, vendo-se também na foto um major da PM.
·
24 maio 95: foto em
tamanho grande do secretário de segurança, com a seguinte legenda: "O Secretário Nilton Cerqueira observa um
fuzil, diante de armas e drogas apreendidas no Complexo do Alemão", ilustra
a chamada: "Polícia fecha paiol do tráfico no Alemão e prende 5 bandidos".
E outra chamada, em tipo pequeno: "Camelôs agridem guardas e fecham lojas no
Centro".
JUN/95
·
11 junho 95: chamada: "Seqüestrado
no Lido filho do deputado Albano Reis".
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14 jun 95: foto de
policiais enfileirados na escadaria de acesso ao Morro do Adeus, ilustra a
chamada: "Apreendidas três toneladas de maconha em favela". Ainda,
chamada: "Policiais podem estar orientando seqüestrador". E também o
editorial "Caminho certo", a propósito de uma "peneira fina" que estaria
sendo passada nos quadros da polícia.
·
21 jun 95: duas
chamadas: "Prefeito de Belford Roxo é morto em Laranjeiras"; e uma para a
coluna do Swann, de título: "Refugiados invadem casa de cardeal e fazem
dois reféns". E o editorial "Disque
contra o crime", a propósito de uma informação anônima que possibilitou
a prisão de um traficante.
·
29 jun 95: foto
grande, de um grupo de PMs a cavalo, portando lanças com bandeirolas, tendo ao
fundo o Pão de Açúcar, com a legenda: "PMs
se apresentam durante inauguração do patrulhamento a cavalo no Parque do
Flamengo. Eles farão a vigilância em três duplas montadas, das 9h às 21h".
E também uma chamada: " ´Flanelinhas´ ocupam áreas do
Rio-Rotativo".
·
30 jun 95: foto em
tamanho grande de um pelotão do Exército, com a seguinte legenda: "Com
escudos e cassetetes para um possível confronto com camelôs, policiais do Exército
ocupam a Rua General Roca, na Tijuca, onde ficava o depósito", ilustrando a
chamada: "Exército ajuda fiscais a interditar depósito ilegal de camelôs".
E ainda a chamada: "Bando assalta PMs e rouba um carro-patrulha".
Conclusão.
Entre a hipocrisia e a tirania da opinião
Em vez de tentar articular uma conclusão nos moldes
tradicionais, fica em aberto o caminho para as múltiplas conclusões que, sob
ângulos diferenciados, podem ser tiradas desses acontecimentos, para o que
podem servir as pistas dadas acima. Do meu ponto de vista particular, todavia,
e para tentar confirmar o argumento, um dado parece ser suficiente: depois de
toda a retórica, de tanta movimentação e tantas escaramuças, iniciado o ano de
1996, o entrevistado do dia 02 de setembro de 1994 (o tal "Uê?) continuava solto
e subjugando os moradores do Morro do Adeus e adjacências do chamado Complexo
do Alemão. Da mesma forma que soltos ficaram o traficante conhecido por ´Miltinho´, "dono" do Morro do Dendê, na Ilha do Governador, morro este que foi
"cercado" pelos fuzileiros navais (Miltinho foi preso um bom tempo depois pela
polícia estadual), e o traficante ´Robertinho de Lucas´, tido como "dono" das
favelas de Vigário Geral e de Parada de Lucas; e como igualmente soltos ficaram
os outros bandidos em posição inferior no "ranking" da bandidagem convencional.
Os fatos demonstram que o traficante ´Uê´ tinha razão quando, falando sobre
"política, drogas e segurança" na entrevista já citada, afirmara que "a polícia
não sabe investigar". De fato, pensou-se numa "guerra" em que as forças legais
lutariam contra um "inimigo" certo (os traficantes das favelas). Quanto ao
Teatro de Operações (T. O., no jargão militar), ou seja, a área neutra, longe
da população civil, onde se daria o embate...
Findo o ano de 1995,
esperava-se que a sociedade, as próprias autoridades - e sobretudo os
operadores dos meios de comunicação - avaliassem objetivamente os resultados de
tão audaciosa empreitada, o que, tudo indica, não foi feito. Tal avaliação se
impõe porque a violência continuou e continua sendo um desafio, e não é
admissível que a cada "onda" se ameace reeditar o erro, pensando numa Operação
Rio III ou algo assim, alegando-se: "na próxima vez é só corrigir as falhas".
Ora, num quadro de
normalidade institucional, tal iniciativa provou ser um despropósito. Se o
presidente da República (e só ele!...) concluir que são necessárias medidas
excepcionais, a própria Constituição lhe oferece alternativas: "intervenção
federal" nos Estados, em caso de "grave comprometimento da ordem pública" (Art.
34, IV); "estado de defesa", para "preservar" ou "restabelecer a ordem pública
ou a paz social" (Art. 136); e "estado de sítio", em caso de "comoção grave de
repercussão nacional ou de guerra" (Art. 137). A subjetividade que envolve a
caracterização de qualquer dessas hipóteses é resolvida de forma cristalina
pela própria Constituição: decreto do Presidente da República, ouvido o
Conselho de Defesa Nacional. Dessarte, salvo engano, ainda que o Estado
solicite tropa federal, a decisão compete ao Presidente da República, que
especificará as condições da excepcionalidade, conforme manda o Art. 8º da Lei
Complementar n.º 69/91 (Emprego das Forças Armadas). "Convênio" para que as
Forças Armadas atuem como polícia, sem se ater aos limites constitucionais e
legais impostos aos policiais, é o acabado mau uso do "jeitinho brasileiro". É
inconcebível que, diante de tais condicionantes legais, resolva-se
"contorná-las" com artifícios, como no caso dos mandados "com autorização de
arrombamento nas demais casas circunvizinhas". Será que os operadores da mídia
e a intelligentsia não sabiam disso?
Como não falaram nada a respeito, ainda que a favor?
De qualquer modo,
mesmo deixando de lado essas considerações técnicas, pode-se comparar a "retórica" legitimadora da chamada Operação Rio (refletida nas primeiras páginas dos
jornais, conforme demonstrado acima, com os "resultados" da mesma (não
divulgados nem comentados por qualquer veículo), evidenciando-se um abismo insondável, como segue:
Retórica: (a) era preciso "acabar" com a violência
e com a arrogância dos "donos" das favelas e restabelecer a autoridade do
Estado; (b) era preciso que as Forças Armadas montassem grandes operações de
cerco às favelas; (c) as Forças Armadas enfrentariam 3.000 traficantes, e por
isso seria necessário até mesmo usar navios da Marinha e quartéis da PM para
colocar a grande quantidade de traficantes que, esperava-se, seriam presos; (d)
o Exército faria cumprir 300 mandados de prisão dos chefões do tráfico; (e) o Exército
faria obras sociais nas favelas; (f) após as operações, os "donos" dos morros
teriam sido presos e as armas das quadrilhas apreendidas, sendo os morros
entregues "limpos" ao Estado para que este, com a polícia estadual, não
deixasse voltar à situação anterior.
Resultados: (a) o
número de crimes violentos aumentou, sobretudo seqüestros, assaltos e
homicídios (no ano de 1995 foi batido o recorde histórico de assassinatos
(8.348) no Estado do Rio de Janeiro); (b) os bandidos ficaram ainda mais
arrogantes e audaciosos, reforçando despoticamente o seu controle sobre as
comunidades sob seu jugo, como é o caso de "Uê" no Morro do Adeus e no chamado
Complexo do Alemão;
(c) o número de policiais mortos aumentou acentuadamente.
Quanto ao papel da
imprensa, parece ter ficado claro que a mesma não funcionou apenas como
veículo, e sim atuou também com muita paixão e pouquíssima racionalidade, não
tendo levado em conta as advertências de John Stuart Mill
a respeito da "tirania da opinião".
Menos importante, por
conseguinte, em todo esse quadro é saber o porquê de nenhum grande
bandido ter sido preso depois do emprego de tantos recursos (sem falar nos
custos para a sociedade, inclusive os custos financeiros). Importará muito mais
procurar saber como estes fatos se relacionam com a estrutura social, política
e econômica do Rio de Janeiro e do País; e indagar como os controladores e
operadores da mídia se inserem nesse contexto e de que forma participam desse
processo.
Este artigo é um
registro. Papéis foram desempenhados por pessoas, instituições e diferentes
setores. Quando nada, o registro servirá para que os papéis que foram
desempenhados não caiam no esquecimento.
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