(Nota
prévia. Este artigo foi extraído do Capítulo XIII de DA SILVA, Jorge. Controle da criminalidade e segurança pública na nova ordem constitucional. Rio
de Janeiro: Forense, 2ª ed. 1990. Publicado há 27 anos, a discussão sobre o papel
das polícias, e em especial da Polícia Militar, num momento em que, uma vez mais, eclodem greves de PMs, parece estar começando agora,
do zero).
Ordem pública e ordem interna
Além
da obrigação de proporcionar segurança aos cidadãos, qualquer país precisa
estruturar-se para defender os valores nacionais contra ameaças que se
manifestem no âmbito externo, das relações internacionais, e no âmbito interno.
Interessa-nos,
no presente capítulo, discutir a ordem interna e os efeitos danosos à atuação policial
no controle da criminalidade produzidos pela chamada doutrina de segurança
nacional, que direcionou os serviços policiais para atuarem contra óbices, antagonismos e o inimigo interno
A
criminalidade comum, situada no âmbito da ordem pública, não se constitui em óbice de conotação ideológica. Para a
criminalidade comum, além das medidas que estamos apontando no presente ensaio,
as providências a adotar são da esfera comum. Apenas em determinadas situações
podem ser identificadas motivações que resvalem na ordem interna, como no caso de
assaltos a bancos para financiamento de grupos ideológicos. Para essas
hipóteses, paralelamente às atividades de investigação criminal desenvolvidas
pela polícia comum, são acionados os serviços de inteligência do Estado, entre
nós chamados de serviços de informações, e a polícia de ordem política e
social, com a finalidade de conhecer esses grupos armados e possibilitar o
desencadeamento de medidas para neutralizá-los.
Admite-se
também que uma linha tênue tangencia a ordem interna quando, por ocasião de
greves e manifestações públicas são identificadas ações de grupos organizados
estimulando-as ou incentivando a depredação, o saque e a ocupação de prédios
públicos e fábricas, quando então são necessárias ações de força e de choque,
desenvolvidas, sobretudo, pelas polícias militares. Entre o criminoso comum e a preservação da
ordem pública, e no limite desta com a ordem interna, oscila como pêndulo a
Polícia Militar, o que gera, mais pela dificuldade de estas forças estaduais
interpretarem adequadamente as suas duas missões e de se estruturarem de
conformidade com elas, uma crise de identidade que vai ser percebida pela
população e por alguns estudiosos como um mero desvio causado pelo
autoritarismo.
Não
se pode, pois, analisar e compreender a questão do emprego das forças policiais
no Brasil sem que se faça menção ao fato de se ter atribuído às polícias
militares o policiamento ostensivo fardado em 1967.A partir de 1969 (Dec.-Lei nº 667, de
02.07.69, alterado pelo Dec.-Lei nº 1.072, de 30.12.69) foram os Estados da
Federação proibidos de ter outra organização policial uniformizada. Era evidente que se pretendia dar uma
identidade policial à Polícia Militar.
No
nosso estudo não é importante analisar as razões que ditaram tal medida. Há os
que argumentam, como Paulo Sérgio Pinheiro, que a decisão foi tomada em razão
da "incapacidade das Polícias Civis de lidarem com todas as tarefas de controle
impostas pela consolidação do regime autoritário ".
Outros
entendem que a decisão resultou da preocupação da União com alguns Estados e
com as polícias militares, algumas das quais tinham participado ativamente, e
com grande realce, do movimento de 1964. Há ainda os que explicam a decisão
como consequência do aumento da criminalidade e da necessidade de atender às
demandas da população por mais segurança.
É
indispensável, contudo, refletir sobre os efeitos dessa medida no sistema
policial, e indagar das repercussões da mesma na segurança do cidadão, no
controle da criminalidade e da violência.
A
decisão, tomada aparentemente sem a necessária consideração do sistema policial
estadual como um todo, em vez de marcar a identidade policial das Polícias
Militares, acentuou a ambiguidade das mesmas, por uma simples razão:
paralelamente à decisão, procurou-se ampliar o controle dessas corporações pelo
Exército, com a criação de órgão específico naquela força para controlá-las, a
Inspetoria Geral das Polícias Militares.
Dupla
subordinação das polícias militares
A
competência da União Federal para "legislar sobre organização, efetivos,
instrução, justiça e garantias das Polícias Militares e condições gerais de sua
convocação, inclusive mobilização ", conforme o Art. 8º da Constituição de 1967 e
o Dec.-Lei nº 317, passou a ser interpretada pelo Estado-Maior do Exército, por meio da IGPM. Esse controle se constituiu, na prática, numa
inegável subordinação. Os próprios
governadores dos Estados se viram impedidos de praticar atos relativos às
polícias militares sem o aval do Estado Maior do Exército. Além disso, e cite-se por relevante, essa
subordinação implicou que os órgãos de informações das polícias militares
passassem a atuar segundo orientação dos órgãos de informações do Exército , estes obviamente despreocupados das
questões policiais comuns mas zelosos com as questões de interesse da ordem
interna. Consequências desse quadro:
1º
O ensino das polícias militares, que historicamente já era de cunho militar, passou a ser padronizado em todo o Brasil, com um componente novo, o do inimigo
interno, o do subversivo comunista, na linha ideológica da doutrina de
segurança nacional, repassada pelo National War College americano aos
países da América Latina, conforme assinalam o Pe. Joseph Comblin, Carlos J.Moneta, Frank D. McCann
e José Ribas Vieira.. O ensino continuou a privilegiar o uso da força como solução para os assuntos
policiais. Nos currículos, as próprias disciplinas destinadas à atuação da PM
como polícia comum partiam da ótica da doutrina de segurança nacional. Para as
polícias militares, a segurança pública era um aspecto da segurança
interna. Na Escola Superior de Polícia
Militar (ESPM) do Rio de Janeiro, por exemplo, até o ano de 1984, os assuntos
policiais comuns eram tratados na disciplina Segurança Interna II, sendo a
cadeira Segurança Interna I destinada à segurança interna propriamente dita. É
a época da proliferação das batidas policiais, das blitzen, e das operações policiais com o emprego maximizado da força.
2º
Os órgãos de informações das polícias militares foram superdimensionados, mas, em
vez de procurarem conhecer os meandros da criminalidade comum e do crime
organizado, deixaram esta área praticamente intocada e concentraram os seus esforços no
atendimento das demandas da segurança
interna.
3º
As polícias militares ficaram sem identidade. Numa direção, os currículos das
escolas, os comandantes-gerais (oficiais superiores do Exército, à exceção de
Minas Gerais e Rio Grande do Sul), e os oficiais PM da chamada Comunidade de
Informações, a enfatizarem a preocupação com o inimigo interno; em outra
direção, os policiais militares em serviço na rua, trabalhando às cegas, diante
de outra realidade, a do criminoso comum, cada vez mais audacioso, sofisticado
e organizado.
4º
As polícias civis, sentindo que perdiam a hegemonia das funções policiais e
premidas pelos secretários de Segurança (geralmente oficias do Exército) a
atuarem também na defesa interna, caíram numa crise profunda de identidade da
qual não conseguiram sair até hoje. Impedidas por lei de executar o
policiamento ostensivo em uniforme, elas deslocaram todo o seu esforço
exatamente para fazer isto, ainda que sob rótulos os mais diversos. Contrariamente
ao que se poderia esperar, e na luta
pelo que consideravam vital, as polícias civis desinteressaram-se das funções
de polícia judiciária e de investigação criminal e passaram a ter maior
visibilidade ainda nas ruas do que antes. Esta a situação que persiste, apesar
da recente definição de suas funções pelo texto constitucional de 5 de outubro
de 1988, segundo o qual cabem às polícias civis "as funções de polícia
judiciária e a apuração de infrações penais ", como vimos no capítulo anterior.
As
polícias militares antes de 1964
A
esta altura o leitor deverá estar-se perguntando sobre o que faziam as polícias
militares antes de 1964. Daremos, por suficiente, uma breve
notícia sobre o momento histórico imediatamente anterior a 1964.
As
polícias militares eram, constitucionalmente, encarregadas da segurança interna
e da manutenção da ordem nos respectivos Estados, conforme estabelecia a
constituição então vigente, a de 1946:
Art.
183: As Polícias Militares, instituídas para a segurança interna e a
manutenção da ordem nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal, são
consideradas, como forças auxiliares, reserva do Exército.
As
expressões "segurança interna " e "manutenção da ordem " eram interpretadas pelo
Estado-Maior do Exército como estando numa relação de intensidade. Inicialmente
seriam empregadas as forças estaduais. Incapazes ou insuficientes essas, as
forças federais seriam empregadas para reforçá-las ou substituí-las.
A
expressão "manutenção da ordem " era tomada em seu sentido estrito, ou seja,
relacionada a ações de controle em manifestações públicas e para as ações de
choque nos casos de distúrbios civis. As funções policiais ostensivas em
uniforme eram desenvolvidas até 30 de dezembro de 1969 (Dec.-Lei nº 1.072) pelas
demais organizações policiais então existentes nos Estados: polícias civis,
guardas civis, guardas de vigilância, polícias de trânsito.
Com
efeito, cumprindo a sua missão constitucional, as polícias militares
empenhavam-se na guarda de pontos sensíveis, tais como: estações e torres de
transmissão de energia elétrica, legações estrangeiras, instalações industriais
essenciais, instalações telegráficas e postais, instalações de tratamento
d´água, adutoras, e no controle de distúrbios. Raras eram as missões de
policiamento ostensivo, e ainda assim por solicitação da autoridade judiciária
ou de outras autoridades, e para emprego em grandes eventos. A PM nada tinha a
ver com o policiamento, nem com o patrulhamento motorizado, nem com o trânsito
urbano, nem com o rodoviário. Em suma: as Polícias Militares eram marcadamente
aquarteladas, e acentuadamente ociosas. O texto da Constituição de 1946, pois,
não deixava dúvidas quanto à prioridade no emprego da PM: a segurança interna.
Era
nesse quadro que as Polícias Militares se situavam como forças auxiliares e reserva,
e, naturalmente, buscavam ser a imagem e semelhança da força principal.
Já
nesse período se criticava a PM pelo desperdício de tanta gente nos quartéis, enquanto a criminalidade aumentava. Daí as tentativas esporádicas de utilização
da PM em tarefas de radiopatrulha e de Cosme-e-Damião, em competição com as
polícias e guardas então existentes.
A
constituição de 1967 (art. 13, § 4º), todavia, dando uma guinada no que tange à
missão, inverte a prioridade e fala em "manutenção da ordem e segurança interna
nos Estados ". E, finalmente, a Emenda Constitucional nº 1, de 17/10/69, exclui
do texto a expressão "segurança interna ": As polícias militares, instituídas
para a manutenção da ordem pública nos Estados, nos territórios e no Distrito
Federal.
Uma dúvida: houve hesitação? A intenção era retirar a responsabilidade das Polícias Militares na segurança interna? Ou entendiam os legisladores tratar-se de uma redundância, orientados pela
concepção de que a ordem pública é abarcada pela segurança interna, e
consequentemente pela segurança nacional?
Compreendido
o que faziam antes as Polícias Militares, o que vai importar na análise é o
fato consumado das transformações que se operaram no emprego das mesmas durante
o período que se estende de 1964 até o presente (início do ano de 1990):
mudaram os tipos de uniformes, os equipamentos, o armamento; o ensino e a
instrução (ênfase nas matérias profissionais policiais); os tipos de veículos;
os meios de comunicações; a organização; e o policial passou a ser empregado
isoladamente, em duplas ou equipes motorizadas, pequenas, de dois ou quatro
homens. Em vez do condicionamento militar, a ênfase tinha de ser na iniciativa
individual, na criatividade e no discernimento .
Enfim, o adjetivo militar do nome Polícia Militar passou a referir-se mais à
estrutura de hierarquia e disciplina interna, para efeito de controle do
pessoal.
É
neste período também que começa a se configurar o quadro atual da criminalidade
violenta nos grandes centros. A pressão popular continuou. Ainda havia muita
gente nos quartéis da PM. Era preciso colocar "todo mundo na rua " para
policiar. E a demanda ia aumentando. E os jornais questionando os grandes efetivos
aquartelados. E a IGPM também.
A
identidade das polícias militares
Hoje,
mais de 80% dos efetivos estão na atividade-fim dessas Corporações, no
policiamento. Os demais (menos de 20%) estão nas atividades de apoio e
burocráticas, mas também empregados em serviços extraordinários. Os policias
militares, particularmente os menos graduados, são empregados maciçamente no
policiamento comum.
Ora,
tudo mudou. Hoje a PM faz polícia comum o tempo todo, às 24 horas do dia, os
365 dias do ano. E a população a cobrar cada vez mais a sua atuação no
policiamento e a debitar-lhe culpa pelos altos índices de criminalidade e de
violência.
É
óbvio, pois, que a PM de hoje, na prática, não funciona mais como aquela força
auxiliar e reserva de antes de 1964. Que reserva é esta cujos efetivos e meios
materiais não são considerados suficientes nem para o seu próprio serviço
policial? E que força auxiliar é esta
que é lançada integralmente na segurança pública, na luta contra a
criminalidade? Que reserva é essa que, já agora, quase não conhece mais as técnicas,
os instrumentos, os equipamentos, os valores, as crenças, as práticas e a
cultura profissional da atividade do titular?
Em
consequência, a crise de identidade das Polícias Militares e dos policiais
militares acentua-se. Forças ambíguas, as polícias militares não se identificam
nem com a função policial comum nem com a função militar do Exército. Sendo as
duas coisas, não conseguem ser nem uma coisa nem outra.
Numa
política macro, nacional, de controle da criminalidade e da violência, não se
pode deixar de procurar um caminho para fugir dessa ambiguidade, e isto é
tarefa que não está ao alcance das próprias Polícias Militares nem dos
Estados-membros.
Durante
os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte, como assinalamos, muitas
foram as proposições no sentido da sistematização dos serviços policiais no
Brasil e da racionalização do emprego de recursos humanos e materiais. Só que a
definição do papel das polícias militares esteve o tempo todo condicionada à definição
do papel a ser atribuído às Forças Armadas, pois o Exército não abria mão da
segurança interna nem da manutenção das Polícias Militares como suas forças
auxiliares e reserva, como afinal estabeleceu o § 6º do art. 144 da
Constituição Federal de 1988:
As
polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva
do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores
dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.
Isto combinado
com o inciso XXI do art. 22, relativamente à competência da União para legislar
sobre "Normas gerias de organização, efetivos, material bélico, garantias,
convocação e mobilização das polícias militares e corpos de bombeiros
militares ". De qualquer modo, com a melhor delimitação de funções entre a
Polícia Militar e a Polícia Civil, é possível buscar-se um pouco mais de
identidade da PM com a polícia ostensiva e com "a preservação da
ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio ", como manda o caput
do art. 144.
Da
perspectiva da racionalização dos meios humanos e materiais, e da
instrumentalização conceitual e técnica para atuar como polícia contra a
criminalidade e a violência, é óbvio que, por mais esforços que se envidem, a
ambiguidade das Polícias Militares vai permanecer, com indisfarçável prejuízo
para os sistemas policiais estaduais.
Apenas a União tem o seu problema de defesa interna equacionado e sem
maiores despesas para os cofres federais.
Estas
reflexões eram feitas por nós em meados de 1987 quando, na condição de
representante da Polícia Militar do Rio de Janeiro, chegamos a comentá-las com
oficiais de outras Polícias Militares que estavam em Brasília, atuando junto à
Assembleia Nacional Constituinte na defesa de interesses institucionais das
Polícias Militares. Defendíamos que, para as duas questões, a da segurança
interna e a da segurança pública, devessem ser procuradas soluções
específicas, sem o que as Polícias Militares, antes de serem uma solução,
continuariam a ser vistas como um problema.
Forças
auxiliares e reserva
Reiterada
a consideração de que a outra face da ambiguidade das Polícias Militares é
serem elas forças auxiliares e reserva do Exército e não poderem estar
preparadas para sê-lo em virtude das exigências mais imediatas da atuação
contra a criminalidade e na preservação da ordem pública, as ponderações que
fizemos ontem são válidas para hoje, como segue.
Não
é racional considerar essas corporações como forças auxiliares e reserva e
mantê-las como polícia comum. O que é compreensível e até necessário é que, em
caso de guerra ou de grave perturbação da ordem interna, as forças policiais
estaduais (e não apenas a Polícia Militar) passem atuar sob o controle da União
(e não apenas em auxílio ao Exército, mas a outros ministérios, resultado de
planejamento e coordenação do Estado Maior das Forças Armadas e do Ministério
da Justiça). Nesta hipótese seriam
necessários efetivos adicionais para cuidar da segurança de portos e aeroportos
e para apoio a ações da Polícia Federal, por exemplo.
Para
nós, a lógica do emprego é um pouco diferente. Em caso de grave perturbação da
ordem pública, esgotados ou insuficientes os seus recursos, a Polícia Militar,
"a polícia ostensiva e de preservação da ordem pública ", seria auxiliada por
outras forças (estaduais, federais e municipais) ou mesmo substituída por força
federal. Mas nesta hipótese, a responsabilidade pela preservação da ordem já
teria passado para a União. Teria havido intervenção ou auxílio ao Estado. As forças policiais estaduais, então,
estariam subordinadas, no Estado considerado, à autoridade militar federal.
De
outra sorte, mesmo em caso de guerra, não haveria como desviar as polícias
militares das suas funções policiais comuns, no território de seus respectivos estados, sem deixar a população desprotegida contra os criminosos comuns, a não
ser que as forças nacionais já estivessem totalmente comprometidas no esforço
de guerra. Mas ainda nesta hipótese drástica, muito pouco provável, quem
substituiria a Polícia Militar nas suas tarefas policiais de rotina?
Não
carece dúvida de que a alternativa encontrada não contribui para solucionar o
problema. Consolidou-se um sistema
policial canhestro e um não menos canhestro sistema de segurança interna, um a
complicar o outro.
Se
esse quadro não traz maiores prejuízos à segurança interna, para cujas
situações podem ser adotadas soluções ad hoc, ou seja, para cada caso
isoladamente, o mesmo não ocorre com a segurança pública, pois a proteção das
pessoas contra a criminalidade e a violência exige o empenho máximo da polícia,
nem sempre com o emprego da força, mas com as atividades de inteligência
policial.
Alternativas
A
sociedade brasileira precisa definir com clareza o que espera das Polícias Militares. Vislumbram-se, neste sentido,
quatro alternativas, formuladas a partir de proposições frequentemente ouvidas
a respeito dessas corporações:
Primeira. Ou
são estruturas num modelo que atenda às duas missões: uma estrutura para
emprego como polícia e outra para a missão de defesa interna e de controle de
distúrbios;
Segunda.
Ou as Polícias Militares são somente
forças auxiliares e reserva (e não apenas do Exército, mas das forças armadas
em geral);
Terceira.
Ou atuam tão somente como polícia, na
"manutenção da incolumidade das pessoas e do patrimônio ", como manda o caput
do art.144 da Constituição Federal, sem vínculo com a União;
Quarta.
Ou são federalizadas, constituindo-se
numa força da União para a defesa interna em todo o Brasil, liberando as Forças Armadas, e particularmente o Exército, dessa tarefa.
No
caso da primeira alternativa, seria imperioso que as duas estruturas
tivessem organização, ensino, instrução, armamento, equipamento, instalações,
viaturas, crenças, valores e cultura profissional diferenciados. De um lado,
veículos de polícia; do outro, viaturas militares e de choque. As polícias
militares seriam forças auxiliares e reserva apenas no que tange à estrutura
específica de defesa interna e de controle de distúrbios. A União não teria
qualquer ingerência na estrutura para emprego na função policial típica. Quanto
a este aspecto, o ensino, a instrução, a organização, o armamento, o
equipamento, os efetivos dependeriam exclusivamente do alvedrio dos
Estados-membros. Esta alternativa
poderia atenuar, quem sabe, a apreensão de Miguel Reale Jr., que chega, com
justificável saudosismo, a propugnar pela volta da Guarda Civil em São Paulo.
A formação militarizada impede a consecução do
importante papel social a ser desempenhado pela polícia urbana. O grande mal
reside no fato de se partir do princípio de que a cidade é um campo de guerra.
No
caso da segunda alternativa, em que as Polícias Militares seriam apenas
forças auxiliares e reserva, o grande inconveniente é que não interessa aos
governadores nem aos contribuintes do Estado-membro pagar e equipar uma força
numerosa para prestar um serviço de responsabilidade maior da União, a
segurança interna, e não ter ingerência alguma na sua organização, efetivos,
armamento, nem no seu controle; e mais: não poder contar com esta força para o
enfrentamento da criminalidade violenta, implicando, paralelamente, o aumento
dos efetivos das policias civis que, nesse caso, teriam de executar a função de
polícia ostensiva. Nesta alternativa, a
indagação preliminar seria: quem manteria financeiramente as Polícias Militares?
No
caso da terceira alternativa, todo o potencial da Polícia Militar
estaria a serviço da população de cada Estado. A identidade da Polícia Militar
com a função policial na sua plenitude traria consequências positivas para o
controle da criminalidade e da violência. Mas deixaria a União com o problema
de ter de organizar-se para a preservação da ordem interna por meio de órgãos
existentes ou com a criação de outro(s) com esta missão.
No
caso da quarta alternativa, a federalização, há que pensar, antes de qualquer
coisa, nos custos e na utilidade da medida Aparentemente, trata-se de um
desperdício. Os Estados-membros teriam
de compensar a perda com a organização em recursos materiais e humanos do
sistema policial estadual.
Reiteramos
que o objetivo da implementação de qualquer dessas alternativas seria acabar
com a ambiguidade da Polícia Militar. Não se pondera a importância de ela ser empregada numa ou noutra
função. O que importa é a definição da
identidade, no interesse de todos: da União, dos Estados-membros, do Exército,
das Polícias Militares e da população.
Estas
reflexões são relevantes porque não se pode cogitar do emprego da PM no controle da criminalidade e da violência sem reconhecê-las
integradas a dois sistemas: o policial estadual e o de segurança interna, de
responsabilidade federal. Uma política pública para o controle da criminalidade
que não leve em conta esse complicador estará fadada ao fracasso.
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