Meados da década de 1970. Ao
entrar num avião de empresa norte-americana, o negro brasileiro é acometido de um tipo interessante
de estranhamento: na tripulação havia negros e negras. Estranhou porque jamais vira alguém de sua
cor trabalhando em avião de empresa brasileira. “Natural”. Dali em diante ficou mais atento.
Concluiu: No Brasil, por alguma razão, ser tripulante de avião comercial não era coisa para
negros/as. Mais intrigado ficou depois de saber que os afro-americanos não passavam de 12% da população, percentual muito inferior aos
cerca de 50% dos auto-declarados afro-brasileiros
(há patrícios que detestam essa palavra…) No Brasil
eram tempos do discurso-dogma da “democracia racial”, do que muitos apresentavam provas cabais: “A
empregada come na mesa com a gente”; “O meu maior amigo é um negro”; “Quem não gosta de uma
mulata?”, e por aí afora. Januário Garcia costumava dizer: “Temos o racismo que deu certo”. Preto
gozador! Nessa época, os negros (até então admitia-se que os houvesse no Brasil…) contavam com a
solidariedade da maioria dos não-negros. Se, por exemplo, uma negra era barrada no elevador social,
confundida com a empregada, armava-se o maior estardalhaço. Indignação de todos os lados, e da
mídia. “Que absurdo!”, diriam. Todos contra o que Stokeley Carmichael chamou de “racismo
individual”, ou “aberto”. Julho de
2009. Pela primeira vez o passageiro negro entra num avião de empresa aérea de país da África
subsahariana, a TAAG angolana, com destino a Luanda. Não devia estranhar, mas estranhou. Quase todos
os tripulantes eram negros/as. Setembro
do mesmo ano. De novo em viagem ao exterior, entrou num avião brasileiro. Não devia estranhar, mas
estranhou. Uma negra na tripulação (negra, sim, e não uma parda-coringa: aqui, branca; ali, negra).
Alvíssaras! Uma, ao menos; melhor do que nenhuma, ou nenhum. Volta. Junho de 1999. O negro passageiro viajou em avião brasileiro
com destino a Paris, na companhia de dois colegas acadêmicos brancos. Perguntou-lhes, no dia
seguinte, se tinham notado que ele era o único negro no avião. Não tinham.
“Natural”. Ainda em 2009. De novo em viagem ao
exterior, entrou num avião de bandeira brasileira. Nenhuma negra na tripulação, ou negro... Nem ao
menos uma, ou um... “Natural”. Estados
Unidos, Angola e Brasil. Bons exemplos da distinção entre o “racismo individual” e o “racismo
institucional” (estrutural), nas palavras de Carmichael. No país do Norte, a presença de
negros/as na tripulação dos aviões se deve, em boa medida, às políticas de ação afirmativa*, aí incluídas as cotas, lá adotadas
desde a década de 1960. Em Angola, ao fato de os negros (pretos retintos e mestiços escuros)
constituírem mais de 95% da população. No caso do Brasil, pergunte-se: a que se deveria a ausência
de negros/as nos nossos aviões, o mesmo raciocínio valendo para inúmeros outros
setores? Tristeza. Muitos dos não-negros que se
mostravam solidários aos negros (em casos de racismo
individual, é claro), inclusive na Academia e na mídia, agora se colocam como
adversários figadais, raivosos, da luta dos negros por igualdade institucional. E ainda alegam que fazem isso para evitar o racismo no Brasil…
Estranho. Triste; muito triste. PS. Sobre
Ação Afirmativa, ir para: http://www.jorgedasilva.com.br/index.php?caminho=artigo.php&id=21
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